Capins adaptados à Amazônia evitam desmatamento de 23 milhões de hectares

Programa de melhoramento de forrageiras da Embrapa solucionou um dos grandes problemas do pecuarista do bioma: a síndrome da morte do braquiarão

É o chamado efeito poupa-terra. Com a adoção de tecnologias e práticas sustentáveis, a intensificação da produção se torna viável e acaba possibilitando um desfrute maior em uma área igual ou menor. Foi isso o que ocorreu com pecuaristas do bioma amazônico ao substituírem, paulatinamente, suas pastagens formadas com forrageiras não adaptadas por outras cultivares especialmente desenvolvidas pela Embrapa para as condições de clima da região. Nesta quinta, dia 25, o engenheiro agrônomo, mestre e doutor em zootecnista Carlos Maurício de Andrade, pesquisador da Embrapa Acre, falou sobre o assunto no Giro do Boi.

“Naquela geração pioneira de pecuaristas que colonizaram a Amazônia, nós estamos vendo um processo de sucessão familiar muito intenso nos últimos anos. Esses pioneiros chegaram há 40, 50 anos e, mais recentemente, quem está conduzindo essa pecuária é a segunda ou terceira geração de pecuaristas, que está muito mais focada em intensificação, modernização, em gestão da fazenda […]”, disse Andrade, apontando uma das mudanças que possibilitou esse efeito na sustentabilidade da pecuária no bioma.

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Conforme explicou o pesquisador, a principal dificuldade para a intensificação do desfrute dos produtor pioneiros era a falta de um capim específico para as características do bioma, principalmente a falta de resistência ao encharcamento do solo, ao qual o capim-braquiarão (cultivar Marandu) é bastante sensível – causa da síndrome da morte do braquiarão.

Por isso, ao longo de anos, os produtores do bioma sofreram com a degradação de pastagens. “A gente vê hoje que não basta estar dentro da lei. Você tem que ser eficiente na atividade de pecuária. Então o pecuarista hoje aqui na Amazônia que no trabalho do ciclo completo não estiver produzindo ao menos oito ou nove arrobas por hectare ao ano vai sair da atividade. Então tem que estar dentro da lei, mas tem que ser produtivo também, porque senão vai chegar um outro pecuarista ou empresário mais eficiente e vai comprar essas terras porque a pessoa não consegue desenvolver a atividade de pecuária da forma que precisa ser conduzida”, advertiu.

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Mas as pesquisas de instituições como a própria Embrapa trouxeram soluções para esses produtores. “A Embrapa tem, desde o início da sua atuação, alguns programas de melhoramento de forrageiras, já antenada na necessidade que tinha o Brasil inteiro. Para todas as culturas a Embrapa tem programa de melhoramento, mas o de forrageiras é talvez um dos mais importantes até hoje. Mais de 90% do mercado de forrageiras no Brasil são de cultivares da Embrapa. E isso na Amazônia foi muito importante. A gente começou utilizando Brachiaria humidicola, capim Colonião, capim Jaraguá e, depois, a gente foi vendo que precisava de forrageiras melhores, mais bem adaptadas. Então essas novas forrageiras foram colocadas no mercado, a Embrapa tem uma capilaridade muito grande em toda a Amazônia e, desde 2002, a Embrapa tem uma parceria público-privada com a Unipasto. É um exemplo de parceria público-privada de sucesso no Brasil, já há quase 20 anos, e tem ajudado muito a Embrapa a colocar as forrageiras no mercado, atender a demanda dos produtores e mais que isso. O Brasil hoje é o maior produtor e exportador mundial de forrageiras tropicais. E a Unipasto tem um papel muito importante nesse processo de atender não só o mercado brasileiro, mas o mercado das outras regiões tropicais do planeta que também utilizam essas forrageiras”, sustentou o agrônomo.

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O especialista explicou na prática o efeito das forrageiras melhoradas na realidade da pecuária do bioma Amazônia. “Um dos objetivos mais importantes dos programas de melhoramento da Embrapa é justamente desenvolver variedades que são mais tolerantes a problemas de encharcamento do solo, de seca, de pragas e doenças. E a gente vê claramente que as novas forrageiras são mais resistentes às cigarrinhas, são mais tolerantes ao encharcamento do solo. A gente teve um problema muito grande aqui na Amazônia, que foi a falta de adaptação do braquiarão nessas áreas mais encharcadas. O braquiarão é uma planta originária da África, de uma região em que chove 700 mm por ano, ou seja, a condição do Nordeste brasileiro. E aqui na Amazônia, onde chove mais de 2.000 mm, ele teve dificuldades de se adaptar nessas regiões. Ele é o capim mais importante dos últimos 40 anos, o braquiarão, a cultivar Marandu, e continua sendo importante para o Bioma Cerrado, mas não serve para áreas encharcadas. Vou dar um exemplo pra você daqui da situação do Acre: em 72% dos solos do Acre que têm pastagem, o braquiarão não se adapta. O braquiarão que ocupava 80 a 85% das pastagens do Acre, mas hoje não passa de 30%. Então os pecuaristas tiveram que reformar essas pastagens, tiveram que trocar por outras forrageiras mais adaptadas e esse foi um processo penoso para os pecuaristas, mas isso teve um lado bom, porque hoje a gente tem pastagens muito mais diversificadas. Então nesse processo todo existiu um aprendizado. Os pecuaristas entenderam que é importante você diversificar as pastagens. Você não pode colocar todos os ovos numa cesta só. Então isso vem ajudando a diminuir o risco da atividade pecuária aqui na Amazônia” explicou o mestre e doutor em zootecnia.

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Entre essas tecnologias estão a grama-estrela-roxa e os capins BRS Xaraés, BRS Piatã, BRS Zuri, Humidicola e Tangola, que integram a lista das gramíneas mais cultivadas na região”, consta em reportagem disponível no site da Embrapa.

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Além do uso de forrageiras adaptadas às condições amazônicas, outra tecnologia está viabilizando o aumento da produtividade da pecuária no bioma – o consórcio de pastagens com leguminosas. “Aqui no Acre, principalmente, a gente tem utilizado bastante uma leguminosa chamada amendoim forrageiro. Essa leguminosa é espetacular para formar consórcio com a maioria das gramíneas que a gente utiliza aqui na Amazônia. […] Nós temos fazendas aqui no Acre com mais de 2.000 ha de pastagens consorciada com essa leguminosa plantada praticamente em todas as áreas. É uma leguminosa muito produtiva, muito bem adaptada, inclusive ao encharcamento do solo, consorcia bem, é resistente. Existem áreas formadas há mais de 20 anos continuam ainda produtivas. Ela fixa nitrogênio no solo, o que é equivalente a 330 kg de ureia por ano quando ela está numa proporção de 25 a 30% (no consórcio) e a gente vê a produtividade dessas fazendas muito altas. Em fazendas top onde que a gente vê esse consórcio, elas conseguem lotação de 2 a 2,5 UA por hectare e uma produção acima de 15 arrobas por hectare”, acrescentou o pesquisador da Embrapa.

Conforme o supracitado artigo disponível pelo portal da Embrapa, “estudos realizados com pastagens consorciadas com essa leguminosa, em sistema de cria e engorda, em propriedades rurais do Acre, confirmaram aumento de até 46% na produtividade do rebanho, em relação ao desempenho animal em pastos puros”.

No entanto, o pecuarista ainda tem um gargalo para a implantação do consórcio com o amendoim forrageiro. “É uma pena que a principal cultivar que a gente tem (Belomonte) ainda é plantada por muda, então isso dificulta um pouco a expansão do uso da cultura. […] Em 2019, a gente lançou uma cultivar chamada BRS Mandobi, que é propagada por semente, mas a gente não está conseguindo ainda um volume de sementes suficiente. Ela já está no mercado, já foi lançada, mas a produção de semente ainda é pequena e não consegue atender a demanda dos produtores. É excepcional para solos encharcados”, revelou.

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EFEITO POUPA-TERRA

Em síntese, a adoção de tecnologias como as forrageiras adaptadas e o consórcio com leguminosas viabilizou um aumento da produção que, se tivesse o mesmo desfrute de décadas anteriores, demandaria uma área 23 milhões de hectares maior para produzir o mesmo que é produzido na pecuária do bioma amazônico hoje.

“Na verdade, a gente utiliza um conceito utilizado no mundo inteiro, o efeito poupa-terra. É assim que se chega a esse número. Na verdade, quem combate o desmatamento é a aplicação da legislação ambiental. O desmatamento é combatido desta forma. Mas a gente consegue fazer um cálculo a partir do ganho de produtividade que essas tecnologias trazem para a pecuária de modo geral e calcular esse efeito poupa-terra. Hoje a gente tem aproximadamente em torno de 70 milhões de cabeças no bioma amazônico, o que dá mais ou menos 47 milhões de unidades animais por hectare em 47 milhões de hectares de pastagem. Isso dá 1 UA/ha. Se a gente utilizasse hoje ainda aquelas tecnologias e tivesse aqueles indicadores que a gente tinha em 1985, para manter esse rebanho atual a gente precisaria de mais 23 milhões de hectares de pastagens. Então você calcula esse efeito poupa-terra, o que deixou de ser desmatado, para a gente conseguir o nível de produção e manter o rebanho que a gente tem hoje. É simplesmente um conceito que se utiliza para medir o impacto das tecnologias na atividade pecuária”, esclareceu.

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“Os dados oficiais do IBGE mostram que em 1985 a gente tinha uma taxa de lotação de 0,36 UA/ha. A gente chegou hoje, na média de todo o bioma Amazônia, a 1 UA/ha. Quando você pega as fazendas top de todo o bioma, elas estão trabalhando com 2 ou 2,5 UA/ha sem utilizar confinamento. Aquelas que utilizam confinamento têm uma lotação até maior. E algumas fazendas têm pastagens intensificadas em que você consegue colocar até 6 UA/ha em áreas adubadas no período das águas e, na média do ano, 3,5 UA/ha. Tudo isso são tecnologias que foram geradas especificamente para as condições do nosso bioma e estão permitindo esse ganho de produtividade. E a gente vê que, na maior parte do Brasil, a pecuária, na verdade, está perdendo área de pastagem e continua mantendo, ou até crescendo em rebanho, mantendo produção de carne e continua sendo líder de exportação”, concluiu Andrade.

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Confira a entrevista completa com o pesquisador da Embrapa Acre, Carlos Maurício de Andrade:

Foto: Reprodução / Mapa