Entre arrendar e vender a fazenda, produtora se tornou rainha da ILPF em Goiás

Conheça a história de Marize Porto, cuja determinação após perder o marido transformou sua própria vida e está mudando a imagem do agro brasileiro mundo afora

Em 2002, uma morte repentina mudou a história de Marize Porto, até então uma simples mãe de três filhos pequenos e recém-formada em odontologia, com pouca relação com o campo. “Um infarto fulminante e de repente aquele mundo caiu”, contou a hoje produtora rural em entrevista ao Giro do Boi desta terça, dia 06, recordando as circunstâncias da morte de seu marido.

Quando a realidade bateu de frente com o mundo de Marize, fora basicamente foram duas opções apresentadas pelas pessoas mais próximas , mas nenhuma delas parecia a melhor saída. “Imagine decidir o que fazer logo depois que isso aconteceu? Tinha mil pessoas dando palpite em volta de mim. ‘Vende, arrenda’. Mas ninguém falava: ‘toca a fazenda!’ Eu pensei o seguinte: ‘se alguém pode tocar, eu também posso’. Não queria botar o patrimônio na mão de outra pessoa. Aí eu vi que a coisa não era tão simples porque na hora que eu peguei o livro-caixa da fazenda, tinha um rombo que você não faz ideia. Vermelho puro!”, relembrou a produtora em sua participação no programa.

“É uma dupla falta (fazenda degradada e cheia de dívidas). A gente tinha uma fábrica de cupim”, brincou. A produtora sorriu a rever a imagem de uma vaca PO que que a fazenda possuía antes de sua grande transformação. Por falta de comida, a fêmea que era Pura de Origem virou Puro Osso. “Tadinha!”, lamentou Marize. “Não tinha alimento para essas coitadinhas. Olhe o capim que tem em volta dela. Esse era o pasto”, comentou.

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Veja nas fotos a seguir como era a Fazenda Santa Brígida, em Ipameri-GO, antes de sua transformação (clique para ampliar):

Pura de Origem ou Puro Osso? Fazenda degradada limitava a alimentação do gado.

Pelas condições da fazenda e por sua pouca experiência, a venda da propriedade parecia uma questão de tempo. “É acidez do solo. Significa que ia precisar de muita correção, de muito dinheiro para resolver e isso me deixava com uma bela de uma interrogação na cabeça: de onde virá esse dinheiro? Porque é lógico que todo mundo sabia que essa fazenda estava em dívidas, todo mundo sabia que eu não morava perto dela, que eu não tinha experiência e essa coisa toda. Então estava todo mundo esperando para dar o bote primeiro”, disse Marize.

“O pior é que não dava para escolher, mas também não dava para esperar”, disse. Marize resolveu fazer um diagnóstico das condições da Santa Brígida antes de tomar sua decisão. “Nessa época eu pedi para uma pessoa que trabalhava lá – que eu chamava de gerente porque não tinha outra pessoa – e pedi para ele fazer uma avaliação e um orçamento para a gente ver o quanto ficaria para recuperar a pastagem. E quando ele trouxe para mim o resultado da pesquisa dele, eu pensei que era impossível gastar aquele dinheiro. Primeiro porque não tinha, segundo porque eu não tinha crédito e, em terceiro, eu não tinha máquinas. Como eu ia entrar naquela brincadeira?”, questionou-se a recém-viúva.

Marize então buscou uma das maiores referências do agro em todo o país, a Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. “Pensei: ‘quer saber, se tiver alguém que pode me ajudar, eu sei que é a Embrapa’. Eu me mandei para a Embrapa Arroz e Feijão, perto de Goiânia. Mas quando você chega na Embrapa, você não entra, a Embrapa tem uma cancela, você só entra se tiver agendamento, Mas eu não conhecia ninguém lá dentro. Eu lembrei da minha tia que tinha um amigo de Rotary Club, de Maçonaria, que era da Embrapa. Eu liguei para ela, ela me passou o nome dele e eu falei para o porteiro que tinha um horário agendado com o Homero. Era um pesquisador já falecido, mas na época ele me recebeu por conta dessa amizade. […] Eu contei o meu drama para ele, Ele disse que era muito simples de resolver. Então vamos!”, animou-se.

“Ele me deu um livro chamado Integração Lavoura-Pecuária, um livro ‘dessa grossura’, mais grosso que a Bíblia, e falou para mim como fazer. […] Eu pedi para ele me resumir em uma frase o conteúdo desse livro. Ele disse que era fácil, que eu ia plantar o grão, ia recuperar o pasto através da agricultura. ‘Você vai plantar o grão, junto com o grão você vai plantar a semente do capim. O grão nasce primeiro, faz um sombreamento, o capim fica sem luz para desenvolver. Depois o grão vai secar, você vai colher, vai vender, vai pagar as contas e vai ter um pasto de volta’. Eu acho que naquele exato momento os anjos disseram ‘Amém!’”, tranquilizou-se Marize à época.

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O próximo obstáculo era a execução da ideia que, no livro, parecia excelente. “Eu não tinha ideia de onde eu estava me metendo porque eu não tinha equipe, eu não tinha dinheiro, eu não tinha crédito, eu não tinha conhecimento, eu não tinha máquina. Como eu ia fazer alguma coisa sem ter nada disso? Mas precisava ser feito! Eu fiz uma parceria com um vizinho que tinha essa capacidade ociosa, de tempo de máquina, arrendei uma outra terra degradada para esse vizinho em troca dos serviços dele e terceirizei todo o serviço. Aí aconteceu exatamente o que o Homero tinha dito naquele dia e foi essa a virada da minha vida”, compartilhou a produtora em sua participação no Giro do Boi.

“Veio a lavoura, colhemos o grão, pagamos as contas e o pasto estava lá, aquele pasto de primeiro ano, pronto para ser pastejado pelos animais. Os animais ganharam muito mais peso porque estavam acostumados a fazer dieta!”, brincou. “Eles ganhavam peso acima do normal, mas era porque eles estavam mesmo numa situação difícil antes”, ponderou.

“Eu saí do vermelho, eu estava dentro do buraco. A Globo Rural fez uma reportagem que na capa eles escreveram: ‘Como tirar uma fazenda do buraco?’. Foi exatamente o que aconteceu”, comentou.

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Veja a transformação da Fazenda Santa Brígida em fotos (clique para ampliar):

A produtora detalhou a evolução da pecuária em números. “Eu tinha capacidade de lotação do pasto, naquela época e aproximando para cima, de 0,3 UA/ha. Ou seja, não tinha pasto. Os animais eram bois sanfona, que engordavam e emagreciam, e chegava num ponto em que tinha gente que ia lá comprar boi magro para levar pro confinamento. Mas hoje a gente coloca 4 UA/ha/ano tranquilamente”, atualizou.

Mãe de Fabrícia, Murilo e Marcela, Marize se afastou da profissão de dentista e hoje virou uma verdadeira rainha da ILPF, tão referência no sistema de produção que anualmente recebe um dia de campo organizado em parceria com a Embrapa para mostrar os resultados de novas tecnologias e práticas sustentáveis.

Neste ano, o evento, que está marcado para 09 e 10 de junho, será virtual por conta da pandemia de Covid-19. Ao mesmo tempo, poderá alcançar mais pessoas mundo afora. “Nós estamos chamando de Santa Brígida Open Farm. Eu digo que hoje eu não produzo grãos, carne ou madeira. Eu produzo sustentabilidade. Por quê? Porque é o que o mundo quer comprar. Eles vão comprar o seu alimento, eles querem saber de onde veio. […] Para isso a gente precisa de um produto sustentável e certificável. Essa carne que é produzida em meio aos eucaliptos, que tem sombreamento e que as árvores fazem o sequestro e mitigação dos gases emitidos pelos animais, esse vai ser o gado que todo mundo vai querer comprar. Então esse Santa Brígida Open Farm que a gente vai fazer é para os brasileiros, mas não só para os brasileiros. Vai ter tradução simultânea para inglês e espanhol das palestras porque nós temos que ajudar a mudar essa percepção que o estrangeiro tem do produto brasileiro”, opinou.

“Mas não é fácil. Você tem que estar com um pessoal capacitado, desde a gerência, tem todas as divisões, tem que estar muito capacitado. Hoje a gente capacita muito o pessoal”, reforçou Marize. A produtora disse que um trabalho desenvolvido por uma de suas filhas Marcela, engenheira ambiental, descobriu que a Santa Brígida é, de fato, diferenciada no treinamento de pessoal. “Em relação aos vizinhos, nossos colaboradores estão sete vezes mais capacitados. Em máquina, em semente, em agroquímicos, em tudo que você imaginar. Cada máquina tem a sua capacitação específica para operação. Tem a saúde e a segurança do trabalho […] Então se eu não tivesse montado uma equipe altamente capacitada, isso aí não seria possível. Então uma coisa que eu falo: profissionalizem! Não fiquem brincando de ser fazendeira. Esse tempo já passou!”, recomendou.

“Eu acreditei porque eu não tinha saída. Eu tinha que acreditar! Depois, era na Embrapa em quem eu estava acreditando. Não era em uma pessoa, era a Embrapa. Então vamos que vamos, que tudo ia dar certo. E não é que deu tudo certo mesmo?”, surpreendeu-se.

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Veja no link a seguir a entrevista completa com Marize Porto, a “rainha da ILPF”, titular da Fazenda Santa Brígida em Ipameri-GO:

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Foto: Reprodução / Senar