Fertilidade do solo 'sai do buraco' com ajuda da integração

Além de diversificar receita do produtor, combinação das gramíneas com componente arbóreo provoca série de mudanças benéficas no solo

Foi preciso entrar num buraco, ou vala, intencionalmente cavado por pesquisadores no Campo Experimental Santa Mônica, da Embrapa Gado de Leite, que fica em Valença-RJ, para ver a olho nu como a fertilidade do solo pode chegar às alturas com o reforço da integração silvipastoril.

Em reportagem da série especial Embrapa em Ação, o engenheiro agrônomo, mestre em solos e nutrição de plantas e doutor em ciências do solo Fabiano de Carvalho Balieiro, explicou à equipe do Giro do Boi a série de reações que ocorre no subsolo quando o componente arbóreo é inserido. O pesquisador é colaborador da unidade Embrapa Solos, que neste campo experimental trabalha em conjunto com a Embrapa Gado de Leite.

“O que estas árvores realmente podem trazer para o sistema, além do componente produtivo, além das frutas, além de servirem como abrigo para inimigos naturais, […] existem inúmeros outros serviços ecossistêmicos que estas árvores podem trazer para os sistemas integrados”, iniciou a explicação.

“Então eu começaria com a parte da conservação, você pode mitigar o processo erosivo, o que já é um grande serviço. […] Quando a gente traz um componente perene desse, você tem um amortecimento da água da chuva pelas folhas e pela serrapilheira e uma boa parte desta água já não vai escorrer. Este já é um componente muito interessante, você não está levando sedimento para dentro dos açudes ou para dentro dos rios”, comentou.

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“Uma outra parte bastante interessante que os colegas de outras Embrapas e da nossa temos monitorado é a infiltração da água. A gente tem observado que onde a gente tem o componente arbóreo, ou seja, nos renques das árvores, a taxa de infiltração está de 30% a 50% mais alta do que nas pastagens, pensando no sistema silvipastoril. […] As árvores realmente ao longo do tempo vão estimulando a produção de canais preferenciais e aumentam a macroporosidade (do solo), fazendo com que esta água, então, fique no sistema, ou seja, ela também vai ajudar na perenidade da produtividade, não só do componente arbóreo, mas também da lavoura, como também dar perenidade ao curso d’água”, acrescentou.

Balieiro ressaltou que em um primeiro momento as árvores consomem bastante água para sua formação, mas, com o tempo, o consumo do líquido pelas raízes diminui e ela acaba contribuindo para a retenção e armazenamento.

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“A chave da infiltração são os poros e quem faz os poros, ou quem dá estrutura e estabiliza estes poros, é a matéria orgânica. […] A gente tem uma gramínea, que é uma exímia acumuladora de carbono pelos seu sistema radicular, que é muito mais ramificado, e ele tem uma associação com fungos, que são muito eficientes nesta estabilização deste carbono e destes agregados. E a gente tem a mistura de raízes finas com raízes grossas (das árvores) bombeando carbono, ele está sendo fixado, em profundidade. A gente tem então, na realidade, alimentação deste microrganismos, permitindo com que haja esta estabilização deste carbono em profundidade. A gente tem a construção de um espaço poroso pela microbiota, pela fauna do solo porque tem carbono entrando no sistema”, explicou o agrônomo.

“Quem dá esta capacidade de infiltrar é a biologia do solo, é a vida do solo, então quanto mais a gente tiver plantas diferentes sendo consorciadas ou em rotação, maior a possibilidade de ter uma riqueza e uma biomassa microbiana maior construindo este carbono”, complementou.

O consórcio ajuda também a aumentar a profundidade de atuação das raízes, que levam e também buscam nutrientes em uma distância maior. Enquanto a atuação das gramíneas pode chegar a até 50 centímetros, as raízes das árvores podem passar de metro e meio. O sistema pode também ter variações, como o consórcio com leguminosas, que fixam nitrogênio do ar no solo e podem substituir parte da adubação química, por exemplo.

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Outra oportunidade para o produtor é que, segundo o pesquisador, somente 15% a 20% das áreas com sistemas integrados têm o componente arbóreo, então há bastante espaço para crescimento da adoção da técnica.

“O produtor pode gerar receita com este sequestro de carbono em profundidade, então é um viés também interessante. Além do benefício ecológico, funcional, em termos de solo, quiçá o produtor não pode ainda gerar uma receita com este carbono sequestrado”, apontou Balieiro. Mais informações ou dúvidas sobre os sistemas integrados com árvores podem ser enviadas para o e-mail do pesquisador, [email protected].

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