Pecuária de precisão entra na era do "big brother bovino"

Pesquisador da Embrapa revela como as tecnologias de monitoramento digital dos animais se somam ao olho do dono para facilitar tomadas de decisão

A pecuária de precisão está evoluindo a ponto de fazer da produção de gado de corte um verdadeiro “big brother bovino”, valendo-se de sensores que monitoram os animais 24 horas por dia para checar comportamentos atípicos, atividade metabólica, sanidade, entre outros pontos, para ajudar o produtor a tomar decisões a partir da interpretação correta de uma quantidade massiva de dados coletados. Ao Giro do Boi desta segunda, 22, o médico veterinário, mestre e doutor em reprodução animal Alexandre Rosseto Garcia, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, falou sobre o assunto.

De acordo com Garcia, o “olho do dono” não será substituído, mas ganhará a ajuda de uma lupa de aumento digital, por assim dizer. “O olho do dono sempre vai ajudar a engordar o gado. E etapa de controle é fundamental dentro do processo de produção. Mas eu diria, fazendo um adendo, que eu acho que o olhar digital do dono é que engorda o gado também hoje. As tecnologias digitais vêm para somar a esta percepção subjetiva que o produtor rural tem, e que é fundamental dentro do processo de produção. Eu acho que as tecnologias associadas ao conhecimento do dia a dia do produtor no acompanhamento da fazenda permitem com que a tomada de decisão seja mais segura. A gente transforma aquele olhar que era só subjetivo da percepção individual em métrica, em parâmetros objetivos numéricos. Aí sim o olhar do dono acerca das planilhas de resultados, de desempenho, de comportamento, de eficiência reprodutiva e produtiva se soma àquela questão questão subjetiva e potencializa e muito o controle e consequentemente o ganho do processo de produção pecuária. Essa é a questão – associar o olhar do proprietário às ferramentas tecnológicas para que ele ganhe instrumentos digitais para ampliar este olho dele, passando a ser também um olhar digital”, contextualizou.

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Garcia exemplificou esta transformação com uma tecnologia que vem sendo desenvolvida pela Embrapa que monitora via sensores em um colar o deslocamento e a atividade ruminal dos animais (veja foto abaixo). “A gente acompanha os animais 24 horas por dia, sete dias por semana. O animal veste um colar e, neste colar, ele porta dois tipos de sensores, um sensor que mostra para a gente o deslocamento do animal, então se ele está em ócio ou se ele está se deslocando, e outro que mostra para a gente a atividade de ruminação do indivíduo. Eu consigo, da minha casa, fazer um monitoramento de todos os animais do lote de modo que consigo entender o que está se passando com o animal naquele momento para poder tomar decisões”, apresentou.

Uma tecnologia como esta, conforme classificou Rosseto, tem importância dupla, seja para o desenvolvimento de pesquisas e também para tomadas de decisão do pecuarista. Do pontos de vista dos pesquisadores, ajuda a entender a complexidade das interações dos animais com o meio ambiente, como em sistemas com e sem sombreamento e o quanto isto impacta em seu desempenho em ganho de peso e qualidades reprodutivas.

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“Do ponto de vista do produtor, monitorar também estas atividades e receber informações em tempo real é importante porque quando um animal, por exemplo, diminui o tempo de ruminação diária, isso já dá algum tipo de indício de um problema que pode ser clínico, que pode se agravar. Quando o animal muda o seu padrão de deslocamento, de quanto ele caminha dentro do piquete ao longo do dia, isso pode nos dar também algum tipo de informação sobre problema dos membros, um problema específico de casco. Uma fêmea, por exemplo, quando está em estro se movimento muito mais do que uma fêmea numa fase em que não se encontra em cio. Ou uma fêmea que está prestes a parir reduz a sua movimentação. São todas informações que valem para o produtor no dia a dia para que ele possa ter uma tomada de decisão muito rápida sobre aquele indivíduo”, ilustrou,

O veterinário comentou também os benefícios que as tomadas rápidas de decisão podem trazer ao pecuarista em forma de benefícios financeiros. “Como que se dá normalmente este processo de observação do animal na rotina de todas as fazendas, praticamente? O campeiro observa o indivíduo e a percepção subjetiva do campeiro é que diz a ele: ‘eu acredito que esse animal está começando a ter um problema, portanto eu preciso chamar o veterinário’. No caso do monitoramento digital, a gente consegue antecipar essa fase. Além de você ter, claro, a turma de campo trabalhando, você às vezes tem informações numéricas, matemáticas, que chegam antes que o olho do ser humano possa detectar um tipo de condição anormal do indivíduo. Ao detectar isso, o sistema nos informa, a gente recebe um alarme, que pode ser via celular, via computador, da forma como o produtor preferir, e aí a partir daí o produtor pode acionar um médico veterinário”, expôs.

“Por que isso é importante? Quando você antecipa a possibilidade de olhar mais apuradamente o animal, pensando do ponto de vista clínico, as chances de você recuperar o animal são muito maiores. Quanto mais precoce for o diagnóstico do médico veterinário, maior a chance de você tratar de forma adequada o animal, gastando portanto menos tempo para recuperar o animal e menos insumo, consequentemente menos dinheiro”, frisou.

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Rosseto ponderou que tecnologias como esta vão aos poucos ganhar espaço dentro das fazendas, passando pelo processo natural de desenvolvimento, maturação até que seja incorporada ao mercado de forma prática e demonstrando potencial de rentabilidade até que se popularize dentro das porteiras. O pesquisador assegurou que não lhe restaram dúvidas de que a pecuária de precisão, com seus diferentes sistemas que monitoram, por exemplo, a temperatura do animal, deslocamento, posicionamento dentro da fazenda, ganho de peso, conformação de carcaça, vão chegar à pecuária assim com as novas cultivares forrageiras ou tecnologias de reprodução, como IATF, coleta de embriões e FIV.

O pesquisador acredita que a disseminação do uso de internet e smartphones nas propriedades rurais dá respaldo à incorporação de novas tecnologias que, a princípio, parecem complexas. “Pelo fato de existirem os smartphones, que fazem com que a gente esteja a todo tempo conectado internet, facilita muito a abertura de um caminho para que as tecnologias de pecuária de precisão vão ganhando espaço e passem a ser incorporadas pelo produtor”, projetou.

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Rosseta reconheceu, no entanto que o uso destas tecnologias passa não somente pela coleta de dados, mas também pela auxílio prático ao produtor. “Por isso a gente tem trabalho muito com o conceito de pecuária de precisão no sentido de que a pecuária de precisão não é somente o desenvolvimento do sensor físico – é também o desenvolvimento do sensor físico – mas, principalmente, o desenvolvimento de modelos matemáticos de predição para ajudar a tomada de decisão por parte do produtor. […] Hoje o animal pode ser monitorado de forma ininterrupta ao longo de sua vida toda, do nascimento até o abate, ou então até o descarte. Uma vaca de leite pode ser monitorada durante toda a etapa do processo de produção também. Essa grande quantidade de dados, como a gente faz isso trazer algum tipo de sentido para que o produtor possa usar isso no dia a dia? Quando ele precisa tratar um animal, quando ele precisa inseminar um animal, quando ele tem que apartar um animal, quando é o momento adequado para ele poder fazer a venda de forma que o animal seja mais rentável possível dentro do sistema de produção, pensando no gado de corte. Tudo isso faz parte do contexto da pecuária de precisão”, agrupou.

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O pesquisador concluiu informando como a pecuária de precisão vai ajudar o produtor inclusive a agregar valor à sua produção e ajudar a fidelizar mercado consumidores. “A gente tem trabalhado muito na Embrapa com esta questão do sensoriamento dos animais, sejam com sensores que os animais portam, que eles vestem, […] mas a gente tem usado também outros tipo de sensores, que monitoram a temperatura dos animais, a gente tem feito o monitoramento através do uso de termografia por infravermelho, a gente tem trabalhado com monitoramento dos espaços de produção via drone, com monitoramento dos animais em outros experimentos de outros colegas de consumo de água, de consumo de concentrado dentro de um confinamento, de emissões de gases de efeito estufa, então todos esses elementos são extremamente importantes para a gente ter o processo de produção cada vez mais controlado e que a gente possa ter o produto final, principalmente pensando na carne bovina produzida dentro de padrões que sejam aceitos pelo mercado internacional”, valorizou.

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“Isso é muito importante do ponto de vista de bem-estar, do ponto de vista de sustentabilidade, pensando no uso adequado da terra, da água, dos recursos naturais que estão a nosso favor, e fazendo com que a gente tenha agregação de valor ao nosso produto. Além do produto ser bom do ponto de vista das qualidade organolépticas, ou seja, da maciez da carne, do sabor da carne, da durabilidade do produto quando ela está já na prateleira, a gente tem que ter uma agregação de valor, produzir bem e conseguir mostrar isso para os nosso consumidores, sejam consumidores nacionais, sejam consumidores de fora do brasil, mas é extremamente importante”, finalizou.

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Veja a entrevista completa com Alexandre Rosseto Garcia no vídeo a seguir:

 

Primeira foto em destaque: Reprodução / Embrapa