Perguntas e respostas - consultor orienta sobre uso de terras de reforma agrária

Quanto tempo demora para ter o título de domínio? Posso arrendar uma terra de assentamento? Quais critérios de pontuação para ser beneficiário?

Nesta terça, 15, em entrevista especial ao Giro do Boi, o embaixador de conteúdo do programa no quadro Direito Agrário, Pedro Puttini Mendes, advogado, doutorando, professor de pós-graduação de direito agrário e ambiental e sócio-diretor da P&M Consultoria Jurídica, trouxe mais detalhes a respeito do uso de terras vindas do programa de reforma agrária do Brasil (relembre sua participação anterior no link abaixo). O consultor atendeu telespectadores em sessão de perguntas e respostas e falou a respeito da repercussão do tema.

“Existe uma grande quantidade de propriedades rurais ainda não tituladas. São portadoras de contratos de concessão de uso e que são negociadas por aí através de contratos de gaveta e isso motivou o nosso quadro anterior. Eu acredito que o assunto também tenha repercutido devido aos números. Afinal, segundo o Incra, esse assunto representa um interesse de mais de 1,3 milhão de famílias assentadas desde o início do Programa de Reforma Agrária. Atualmente seriam 970 mil residentes nos assentamentos criados que, por sua vez, são mais de 9,4 mil no Brasil, segundo o Incra, e mais de 87 milhões de hectares. Se a gente cruzar com as informações do CAR (Cadastro Ambiental Rural), representam quase 20% de área rural do Brasil. Acho que por isso a assunto repercutiu. Tem muita gente que está tirando o título e querendo saber o que pode ou não fazer com estas terras”, contextualizou.

+ O que preciso saber sobre compra de terras de assentamento da reforma agrária?

Veja abaixo as principais dúvidas recebidas pela produção do Giro do Boi e esclarecidas pelo consultor jurídico.

Depois de quantos anos um beneficiário tem o título de domínio da terra de assentamento da reforma agrária?

“Essa é a pergunta do milhão”, brincou Pedro. “Tem muita reclamação dos beneficiários aguardando a expedição do título de domínio, ou seja, o documento definitivo. O Incra está completamente lotado de protestos para validação, em vários estados é possível perceber até a falta de estrutura do órgão, o que consequentemente prejudica os beneficiários nesta longa fila de espera. Mas na qualidade de advogado, cabe dizer que a legislação que regula os processos administrativos no âmbito federal determina que sejam obedecidos, dentre outros princípios, a razoabilidade, a segurança jurídica, a eficiência e, principalmente, a Constituição, que fala o seguinte: que todos têm direito à razoável duração dos processos e os meios que garantam a celeridade. Então o tempo de duração está variando muito conforme a estrutura disponível no estado em que está aquela regional do Incra para poder conceder os títulos. O fato é que a demora está sendo gigantesca”, lamentou Puttini.

Qual o critério para ter uma boa pontuação como beneficiário de assentamento da reforma agrária?

“Esse score, ou essa pontuação, é determinada pela Lei da Reforma Agrária, a legislação de 1993 que diz o seguinte: cabe ao Incra, observada a ordem de preferência, que deve ser estabelecida por lei, classificar os candidatos a beneficiários deste programa de reforma agrária seguindo alguns critérios. A lei federal joga para as normativas. As normativas é que vão conferir critérios de pontuação de acordo com este artigo. Agora nós temos uma alteração recente, de dezembro de 2019, que seria a Instrução Normativa nº 98. Ela traz oito critérios que são chamados de regulamento de pontuação temática”, informou Puttini. Veja a lista completa abaixo:

  • I – unidade familiar mais numerosa, cujos membros se proponham a exercer a atividade agrícola na área a ser assentada, conforme o tamanho da família e sua força de trabalho – até o limite de vinte pontos para a primeira seleção para o projeto de assentamento e até o limite de quinze pontos para a substituição dos beneficiários originários dos lotes – critério: TAMANHO DA FAMÍLIA E FORÇA DE TRABALHO – TFF;
  • II – unidade familiar que resida há mais tempo no Município em que se localize a área objeto do projeto de assentamento para o qual se destine a seleção ou nos Municípios limítrofes definidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – até o limite de vinte pontos para a primeira seleção para o projeto de assentamento e até o limite de quinze pontos para a substituição dos beneficiários originários dos lotes – critério TEMPO DE RESIDÊNCIA NO MUNICÍPIO – TRM;
  • III – unidade familiar chefiada por mulher – cinco pontos – critério FAMÍLIA CHEFIADA POR MULHER – FCM;
  • IV – unidade familiar ou indivíduo integrante de acampamento situado no Município em que se localize a área objeto do projeto de assentamento ou nos Municípios limítrofes definidos pelo IBGE – cinco pontos – critério FAMÍLIA OU INDIVÍDUO INTEGRANTE DE ACAMPAMENTO – FTA;
  • V – unidade familiar que contenha filho com idade entre dezoito e vinte e nove anos e cujos pai ou mãe seja assentado residente na mesma área do projeto de assentamento para o qual se destina a seleção – dez pontos – critério FILHOS QUE RESIDAM NO MESMO PROJETO DOS PAIS ASSENTADOS – FRA;
  • VI – unidade familiar de trabalhador rural que resida no imóvel destinado ao projeto de assentamento para o qual se destina a seleção na condição de agregados – cinco pontos – critério FAMÍLIAS DE TRABALHADORES RURAIS AGREGADOS – FAG;
  • VII – tempo comprovado de exercício de atividades agrárias pela unidade familiar – até o limite de vinte pontos para a primeira seleção para o projeto de assentamento e até o limite de quinze pontos para a substituição dos beneficiários originários dos lotes – critério TEMPO NA ATIVIDADE AGRÁRIA – TAA; e
  • VIII – renda mensal familiar, graduada nos termos declarados no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – até o limite de dez pontos – critério RENDA FAMILIAR MENSAL – RFM.

Acesse a instrução normativa nº 98, que dispõe sobre o processo de seleção das famílias beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária – PNRA, na íntegra:

+ IN nº 98 de de 30 de dezembro de 2019

“São oito critérios, cada um vai estabelecendo ao máximo de pontos uma pontuação fixa que vai garantir a classificação desse beneficiário na fila de espera”, explicou.

Quanto tempo depois de ter o título de domínio posso vender uma terra de reforma agrária?

“Isso tem um prazo definido por lei, que é a partir de quando o beneficiário recebe o título de domínio, que é o documento definitivo. O beneficiário tem que ficar dez anos sem poder negociar esta terra. É como se fosse um carro alienado. Você tem o contrato de concessão de uso e ele está alienado. Neste caso, a terra está alienada para a União. Quando você tira esta alienação e recebe o título de domínio, tem este prazo de dez anos para poder vender. É como se o governo quisesse que você permaneça um tempo para poder compensar aquele investimento que ele fez na qualificação, na extensão rural e tudo mais, nas políticas públicas que foram investidas naquele beneficiário”, comparou.

O que fazer caso eu observe alguma fraude no processo de reforma agrária?

“Tem que procurar o Ministério Público Federal. É interessante conseguir um mínimo de informações, nomes, endereços, telefones das pessoas que estão fraudando estes lotes, que estão disponíveis no site do Incra. E aí ele pode confirmar estas irregularidades e levar ao conhecimento do Ministério Público Federal, que já fez várias ações pelo país para poder criar o que chama de procedimento de notícia de fato, que pode se transformar num inquérito civil, numa ação. Já existem vários casos em que o Ministério Público fez esta atuação para combater as fraudes”, respondeu.

Pode haver problema com o arrendamento das terras de reforma agrária? Tem alguma lei que impede?

“O beneficiário pode utilizar a sua área. Estas terras estão teoricamente alienadas, elas pertencem à União, não pertencem ao beneficiário até que ele receba o título de domínio. Então a questão do arrendamento traz problemas que devem ser diferenciados desta forma. É um problema muito grave que pode até ser considerado crime. Existe uma lei federal – e para variar a gente gosta de falar os números das leis, que é a 8176. Ela traz alguns crimes contra o patrimônio público e diz que constitui crime contra patrimônio na modalidade usurpação, ou seja, usurpação de patrimônio público produzir bens ou explorar matéria prima de bens que pertencem à União sem a autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo, que no caso são os contratos de concessão de uso do TCU. Então quem utiliza terra que não é sua pode estar sujeito a um crime de usurpação de bens públicos”, alertou.

Acesse pelo link abaixo a lei nº 8.176, citada por Puttini no parágrafo acima:

+ Lei nº 8.176, de 8 de fevereiro de 1991

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Tem dúvidas sobre assuntos relacionados a direito agrário? Envie para [email protected] ou para o Whatsapp do Giro do Boi, pelo número (11) 9 5637 6922.

Confira a participação completa do consultor jurídico Pedro Puttini Mendes no vídeo abaixo: