Em sistema que controla carrapato sem químicos, parasito morre “de tristeza”

Pesquisador da Embrapa disse que infestação de 40 carrapatos por animal pode levar à perda de mais de 1,2 @/cab/ano; veja como reproduzir a técnica em sua fazenda

Um sistema de rotação de pasto que controle a infestação de carrapato nos bovinos sem químicos, valendo-se apenas do conhecimento sobre o ciclo de vida do parasito e manejo de vazio sanitário, onde quem “morre de tristeza” não é o gado, mas sim o ácaro. É nisto que consiste o Lone Tick, sistema desenvolvido na Embrapa Gado de Corte que viabiliza a diminuição da população que parasita os animais.

Nesta terça-feira, dia 11, o Giro do Boi levou ao ar entrevista com o médico veterinário, mestre e doutor em ciências biológicas Renato Andreotti, que liderou as pesquisas na Embrapa Gado de Corte, em Campo Grande.

Andreotti contextualizou o tamanho do problema que os parasitos causam à pecuária nacional. “No Brasil o carrapato dá um prejuízo de US$ 3,2 bilhões por ano e esse é um problema muito grande que a gente precisa buscar cada dia mais soluções. Por que o carrapato causa esses problemas? Ele provoca uma falta de apetite nos animais, então esses animais não se alimentam e vão perdendo peso. Além disso, picando os animais, eles causam irritabilidade e isso gera outras questões. Causa anemia, causa o desenvolvimento de bicheiras por outros parasitos ocupando a porta de entrada da picada do carrapato e também o carrapato transmite a tristeza parasitária bovina, que é uma doença comum – no Brasil ela é endêmica – e essa situação toda gera um grande problema para a pecuária, tanto de leite quanto de corte”, alertou o veterinário.

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A partir de 40 carrapatos grudados nos bovinos, o produtor já está sujeito ao prejuízo. “Se a gente tem uma média de 40 carrapatos por animal durante o ano todo, se for de gado de corte, o animal vai perder em torno de 1,2 arroba por ano. Se for gado de leite, vai ter uma perda em torno de 90 litros por ano”, contabilizou.

Conforme observou Andreotti, o controle químico é a principal ferramenta de combate ao ácaro atualmente. “O que é preconizado hoje com relação ao controle do carrapato? O controle do carrapato é feito utilizando uma ferramenta química, que são os acaricidas, e de forma estratégica no período final da seca, lá por agosto, setembro, e com cinco tratamentos, porque a grande crise do controle químico está relacionado com o desenvolvimento de resistência do carrapato a esses acaricidas. Então, por conta disso, nós precisamos de alternativas de controle”, disse, apresentando o problema que levou ao desenvolvimento da solução que controla o carrapato sem precisar usar químicos excessivamente, o que pode levar à resistência.

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Andreotti informou que animais da raça Nelore, normalmente menos suscetíveis à infestação de carrapatos, têm uma média de dez parasitos na infestação. Por isso, os estudos para validação do Sistema Lone Tick usaram este número como referência para experimentar se a técnica era eficaz com outras raças mais suscetíveis ao parasito, começando pelo Senepol e depois Angus puro em plena condição de Cerrado, em Campo Grande-MS, onde está a sede da Embrapa Gado de Corte.

“Esses animais são produtivos, têm uma genética produtiva, mas ao mesmo tempo são sensíveis ao carrapato. Então, no início das águas, quem não tem um bom controle, vai ter um problema muito sério na próxima safra das chuvas”, alertou.

MANEJO DE PASTO

O Sistema Lone Tick consiste em conhecer o ciclo de vida do carrapato. Como 95% da população total de ácaro de uma fazenda está na pastagem, o pesquisador atestou que deixar o carrapato “sozinho” no pasto sem ter a chance de subir em seu hospedeiro, o boi, a infestação seria controlada.

“Aqui o controle não usa acaricida, ele só usa o manejo pensando no carrapato. Você tem dois momentos aqui. O primeiro momento é o momento de você separar o hospedeiro do parasito, então você separa o boi do carrapato. Como você faz isso? Você deixa o boi em um pasto durante 28 dias. Esses animais, nesse primeiro momento, com 28 dias, você separa o bovino do carrapato (pelo ciclo de vida do parasito, ele desce do boi para reproduzir e fazer a postura de até 3.000 ovos). E aí você muda de piquete, vai para um outro piquete que está com a pastagem alta, esperando os bovinos e, de preferência, sem carrapatos. Se a gente for fazer todo esse sistema, rodar durante o ano, nós vamos fazer esse tratamento que nós estamos falando para todos os piquetes”, projetou.

“Ao sair desse pasto, os bovinos vão deixar os carrapatos adultos aqui fazendo a postura, eles vão produzir larvas e esse período de 84 dias vai matar a maioria das larvas. Saindo daqui, ele vai passar em mais 28 dias em três piquetes diferentes, então o tempo total para o percurso, para ele retornar aqui, são 84 dias. Esse período a gente considera como manejo do vazio sanitário. O pasto só vai ter os animais”, explicou.

O pesquisador informou que tomou o cuidado de replicar as condições reais da pecuária brasileira no experimento. “Essa área tem quatro piquetes de oito hectares cada, nós temos, na verdade, 32 hectares com uma carga animal de 0,8 UA/ha. Essa é a média do Brasil em termos de densidade de bovinos na pastagem. Com isso, a gente consegue reproduzir uma carga animal normal no pasto para Cerrado normal, como é o caso aqui de Brachiaria brizantha. E a gente consegue rodar esses animais e eles controlarem o carrapato sem o uso de acaricida. Isso que é fundamental”, apontou.

Conforme destacou o pesquisador, o sistema foi batizado para que pudesse ser mais facilmente aplicado em realidades distintas de pecuária tropical e subtropical. “Como a gente deixa o carrapato sempre sozinho, nós chamamos de carrapato solitário, que em inglês é chamado de ‘lone tick’. E por que nós resolvemos colocar o nome em inglês? Porque a tecnologia desse manejo serve tanto para a Austrália quanto para o México, quanto para a África, os países da regiões tropicais e subtropicais que têm problema de carrapato desta espécie – que é o Rhipicephalus microplus (antigamente chamado de Boophilus microplus) – podem usar esse manejo. Ou seja, essa é uma solução não só para a região do Cerrado. É uma solução global”, frisou.

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Com a técnica, o pesquisador atestou que conseguiu criar animais que seriam naturalmente mais suscetíveis ao carrapato, como o Senepol e o Angus, com a mesma infestação apresentada por animais Nelore – dez parasitos por vez. “Esses animais são os mais sensíveis, eles já estão aqui há seis meses e vão ficar durante um ano para a gente observar durante as quatro estações. Nós já temos uma experiência anterior com a raça Senepol. Nós ficamos com animais da raça Senepol durante um ano e nós tivemos uma média em torno de dez carrapatos por animal. Num sistema com a infestação natural, exposto a essa quantidade de larva que a gente falou, que tem na pastagem devido à presença do carrapato fazendo a postura, você teria em torno de 350 carrapatos (por animal). Ou seja, você tem uma quantidade muito menor. E se você comparar com uma outra raça resistente ao carrapato, que é o Nelore, você está, na verdade, tendo a mesma média do Nelore em termos de carrapato. Ou seja, é uma maravilha a gente terminar esse período de um ano e conseguir ter uma média de dez carrapatos nos Angus, o que mostra que nós vamos conseguir transformar o Angus, no Cerrado, em Nelore, do ponto de vista da sensibilidade ao carrapato. Isso sem usar controle químico. É só manejo da pastagem”, celebrou.

“Isso nos mostra que aqui nesse sistema, quem fica triste é o carrapato, a tristeza não chega perto dos bovinos”, brincou Andreotti.

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Confira no vídeo a seguir a entrevista completa com o Renato Andreotti, pesquisador da Embrapa Gado de Corte:

Foto: Renato Andreotti / Reprodução Embrapa