“O gado que deu sorte”: nova raça Speckle Park deve chegar ao Brasil em março

Bovino canadense foi reconhecido como raça pura a partir de 2006; entre as características estão rendimento de carcaça e qualidade da carne

The cattle that got lucky, ou o gado que teve sorte. Segundo o empresário Ricardo Monteiro, que concedeu entrevista ao Giro do Boi desta terça, 16, é assim como produtores classificam a Speckle Park, uma raça canadense relativamente nova formada a partir de sete outras raças e reconhecida como pura a partir de 2006.

Em sua participação no programa, Monteiro, sócio-diretor da Speckle Park Brasil, falou sobre os esforços dele e de seu sócio, Pedro Junqueira, para que a raça desembarque no Brasil a partir de março.

“Eles falam que essa raça ‘It’s the cattle that got lucky’, ou é o gado que deu sorte”, disse o empresário sobre pecuaristas australianos que importaram o Speckle Park do Canadá. “Isso porque ele saiu do Canadá desde a década de 1950, foi sendo misturado com todas as raças e ganhou status de raça pura em 2006 no Canadá. De lá, foi levado para a Austrália e lá, já com status de raça pura, vem sendo aprimorado e chegou ao ponto que a gente tem hoje, mais de 500 fazendeiros só na Austrália criando cerca de 80 a 100 mil cabeças”, contextualizou.

A “sorte” foi citada pelos australianos por conta da dificuldade de encontrar a composição ideal para o Speckle Park, cujo sangue vem de 20% do Angus, 28% do Shorthorn, 2% do Jersey, 15% do Galloway, 15% do Lineback, 15% do White Park e 5% de Highland.

Conforme destacou Monteiro, entre as características da raça está a qualidade da carne, embora não seja reconhecida pelo alto grau de marmoreio. “Ela não tem alta marmorização – tem 3, no máximo 4. O que acontece é que existe uma série de estudos na Austrália e foi constatado que existem algumas enzimas – […] acredita-se que por conta do Shorthorn e também por causa dessa pitadinha do Jersey […] – que deixam a carne com um ponto de fusão mais baixo. […] Então ela é muito macia, muito suculenta. […] Essas enzimas dão essas características únicas na carne, que não é muito marmorizada”, detalhou Monteiro.

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Além da qualidade da carne, outra característica pode chamar atenção dos pecuaristas brasileiros. “Ele não é muito alto, mas é extremamente forte. É um gado que lá na Austrália existem alguns estudos que classifica de “Speckle 8”. Na Austrália tem muitas raças britânicas e esses estudos mostram que ele é de 8 a 10% mais rentável em termos de aproveitamento de carcaça. […] Ele dá um alto rendimento de carcaça”, salientou.

Na Austrália, conforme citou Monteiro, a raça já faz relativo sucesso. Em um leilão feito recentemente, o touro Paper Boy – cuja expectativa sobre valor de mercado era de 20 mil dólares australianos – foi vendido por 60 mil dólares australianos, ou cerca de R$ 240.000,00.

Touro Paper Boy, da raça Speckle Park, superou as expectativas de valor em leilão na Austrália.

A pelagem, conforme revelou Monteiro, pode sofrer variações – desde o branco predominante como o touro Paper Boy, ao tradicional “salpicado”, que originou o nome da raça, Speckle.

A raça passa por uma série de procedimentos para sua chegada ao Brasil. Depois de enfrentar dificuldades inerentes à pandemia, recebem em janeiro a autorização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para a importação, quando chegarão ao país os primeiros embriões e doses de sêmen. A proposta é validar nos trópicos brasileiro a adaptabilidade que a raça demonstrou na Austrália, cujo clima é semelhante ao encontrado no Centro-Oeste brasileiro em certas regiões.

“Esse é um ponto importante. A Austrália é muito parecida com o Brasil. Eu mesmo fiz uma pesquisa que acredito que ninguém tenha feito. Deu um estalo um dia, eu dei uma olhada – e quem quiser pode até verificar no Google. Quando a gente usa como exemplo Campo Grande (capital de Mato Grosso do Sul) e também Queensland, que é um dos cinco grandes estados da Austrália, lá tem muito gado, é como se fosse o nosso Centro-Oeste aqui. Quando você olha eles ficam perto do paralelo 20. Então é muito parecido. Esse gado também é conhecido na Austrália por ser muito versátil, por suportar temperaturas de -40ºC a 40ºC. […] Então a gente viu o potencial”, contou.

 

Pelagem “salpicada” deu origem ao nome Speckle Park.

“Inicialmente a gente quer trazer os embriões e o sêmen, o material que vai vir da Austrália e do Canadá. [… Esse material genético deve chegar e a gente já tem matrizes prontas. O material está quase chegando, alguns processos estão sendo concluídos e a nossa ideia é que chegue em março. Mas não para comercialização. Nós vamos fazer um projeto piloto”, ponderou.

Para validar a seleção da raça por aqui, a Speckle Park Brasil conta com a chancela da Associação Nacional de Criadores Herd-Book Collares, uma “entidade sem fins econômicos, (que) é responsável pela coleta, estruturação e manutenção da base de dados formadora do Arquivo Zootécnico Nacional, de várias raças bovinas de origem européia e suas cruzas”, conforme consta na descrição de seu site oficial.

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“A Herd-Book Collares existe desde 1906, então ela está dando para a gente todo um background e uma credibilidade em termos de todo o trabalho com a parte genética. Eles existem exatamente para fazer isso. […] Então a ideia é a gente fazer exatamente esse projeto piloto. Então a gente conversou com alguns criadores de alguns estados, escolhidos a dedo, as matrizes estão prontas”, anunciou.

Respondendo perguntas de telespectadores, Ricardo disse que o projeto piloto da criação da raça no Brasil responderá se será possível seu uso somente via material genético, como embriões e sêmen, ou se os tourinhos poderão cobrir a campo.

“A gente está pensando nisso como nicho. […] A gente quer fazer o projeto piloto, quer cruzar com Nelore, com Angus, inicialmente, e também ter o Speckle Park puro. Depois disso a gente vai conseguir fazer as medições, sempre com background da Herd-book Collares. Então a gente vai avançando passo a passo e, lógico, futuramente, a comercialização do material e a associação, que está em fase de criação”, concluiu.

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Veja no vídeo a seguir a entrevista completa com Ricardo Monteiro: