Sabia que boi também sente azia? Veja como se livrar da acidose do rúmen

Veterinário alertou para uma prática inadequada que potencializa o problema aos finais de semana; doença serve como porta de entrada para outros males

Com a alta dos insumos da pecuária, o produtor tem cada vez menos espaço para perdas no seu aproveitamento. Nesta quarta-feira, dia 26, o Giro do Boi levou ao ar entrevista com o médico veterinário e gerente de produto de grandes animais da Syntec, Thales Vechiato, que deu dicas de como evitar diminuição do desempenho da boiada fechada em cocho com acidose lática ruminal e também com problemas respiratórios, dois grandes vilões do confinamento e que podem ser “ladrões silenciosos”.

O veterinário lembrou que a acidose foi tema de sua dissertação de mestrado, feita já há alguns anos e que apontou relação da acidose como porta de entrada para outros problemas sanitários do rebanho. “A gente fez esse levantamento no antigo Bertin, em Lins-SP (hoje unidade do Friboi), com animais que eram abatidos. A gente conseguiu mapear e delinear os animais que vinham de origem de pasto e os animais que vinham de confinamento, porque a dissertação do mestrado foi em torno das doenças nutricionais que acometem os bovinos, e a gente está falando aqui da acidose lática ruminal e os quadros que ela gera como consequência. Então o abscesso hepático foi uma descoberta fantástica, assim como a entrada da pneumonia”, revelou.

Segundo o veterinário, apesar de o estudo ser antigo, os problemas ocorrem frequentemente nos dias atuais. “Persiste, sim. A gente fez esse trabalho retrospectivo avaliando a incidência nos cinco anos e não foge muito da prática de confinamento hoje, da prática de produção animal no Brasil. Claro que à medida que aumenta a intensidade do uso de concentrado, você que é pecuarista intensifica e quer dar uma acelerada para aproveitar esse giro da arroba, isso acaba forçando muitas vezes e o animal vai ter predisposição maior para ter acidose”, advertiu.

O problema ocorre pela mudança no perfil da dieta, a mais fibrosa, proporcionada pelo pasto, para uma mais energética, no cocho. “O cuidado que a gente tem que tomar é que o animal vem do pasto, então ele está muito acostumado com uma fonte de capim, que é uma fonte de fibra, e isso faz com que o rúmen desse animal trabalhe de uma forma saudável. Quando a gente oferece ração para esse animal, seja ela via milho, soja, trigo, caroço de algodão ou qualquer subproduto, vamos falar em concentrado, de modo geral, esse animal sofre uma alteração da flora ruminal. Então as bactérias que estavam acostumadas a digerir o capim começam a digerir o grão e produzem o ácido lático. Vamos traduzir que causa a famosa azia, que a gente conhece bem e o animal também vai sentir. Essa é a acidose lática ruminal”, esclareceu.

Vechiato alertou para o que acontece quando o problema acomete o bovino. “E a hora que aumenta essa acidez do rúmen pelo excesso de concentrado que esse animal está consumindo, a gente começa a identificar acima de 50% (de incidência) se ele não for adaptado à ração. Na dieta total, ele já começa a sofrer esse quadro de acidose e esse ácido vai corroendo a parede do rúmen. E à medida que corrói, primeiro o boi para de comer, pois ele está com má digestão, com uma indisposição ruminal. Então ele deixa de se alimentar e essa presença do ácido no rúmen faz com que se corroa essa parede, aí dá a abertura, abre a porta de entrada das bactérias presentes no rúmen para entrarem na corrente sanguínea e elas vão direto para o fígado. Chegando no fígado, elas formam abscesso hepático, então eu tenho comprometimento desse animal”, observou.

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O prejuízo do produtor é, então, potencializado, pois ele tem perda de desempenho do animal que não converte ração em carcaça e também perda da ração no cocho, que começa a estragar pela diminuição do consumo. “Com a acidose, ele para de comer, então está perdendo a dieta no cocho porque ele não está comendo. Muitas vezes essa dieta pode até passar do ponto e estragar. E o que ele comeu não estará sendo absorvido porque parou ali e está sendo mal digerido. Esse animal vai ter um quadro de diarreia para eliminar esse excesso de ácido que deixar de ser absorvido e o que foi absorvido não é metabolizado no fígado, porque as bactérias se alojaram ali e formaram abscesso hepático. Então causa um complexo muito grande, desde o cocho até o metabolismo desse animal na absorção de nutrientes”, avisou o especialista.

Vechiato apontou saídas para o problema, começando por uma dieta de adaptação por um período mínimo. “É fundamental esse acompanhamento porque esse animal pode até ingerir acima de 70% de concentrado, desde que se trabalhe com a quantidade de fibra efetiva mínima no rúmen. Se eu acelerar isso de uma forma muito rápida, eu faço essa mudança e ocorre esse choque das bactérias que produzem esse ácido lático em excesso, então o animal não consegue se proteger dessa entrada da bactéria. Eu tenho que fazer uma adaptação desse animal, eu tenho que trabalhar uma dieta adaptativa no mínimo de 21 dias em formato de escada, que vai aumentando gradativamente (a dieta concentrada). E muitas vezes que você quer intensificar, aí tem que usar promotores, como a monensina, outros produtos que controlam essa acidez excessiva. Seria viável o uso até de bicarbonato, de calcário calcítico na dieta para estar diminuindo essa produção de ácido, tamponando o rúmen. Trazendo para a neutralidade, você consegue fazer melhor a adaptação”, apontou o veterinário.

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O veterinário alertou para uma prática bastante comum na rotina de um confinamento que potencializa a acidose ruminal. “Essa doença é muito frequente e a gente observa bastante pós-final de semana, Muitas vezes você está com um trato ali de três fornecimentos para os animais e chega o final de semana e ou o funcionário quer jogar uma bola, ou quer assistir um futebol, fazer um churrasquinho e ele acelera e coloca o trato todo de uma vez. Aí é muito comum no dia seguinte, segunda ou terça-feira, a gente dar uma volta no confinamento e observar os animais no fundo do cocho, os animais parados, muitas vezes com a bunda suja em decorrência da diarreia dessa acidose que o animal teve. Então tem que fazer a adaptação, tomar cuidado, ficar atento. O animal não fala e não ‘pede o Sonrisal’. Então tem que observar muito quais são os sinais e os sintomas e corrigir individualmente, olhando para o animal e olhando para o cocho, que o problema pode ser maior”, recomendou.

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O veterinário citou ainda em sua participação outro problema muito comum aos confinamentos de gado de corte no Brasil, as DRBs, doenças respiratórias dos bovinos. “Doença respiratória é um dos principais problemas do confinamento justamente porque a gente traz animais muitas vezes de uma série de lugares diferentes. Eu estou fazendo animais de Minas, onde está bastante seco, Mato Grosso do Sul, São Paulo, onde está começando a ficar bem seco, e Goiás. E nesse confinamento você traz animais de várias propriedades e sistemas de criação diferentes. E a hora que a gente concentra esses animais no confinamento, o contágio é muito grande e aí pode ter uma série de oportunidades para proliferação de bactérias e vírus, o que faz com que os animais tenham uma queda na imunidade. E essa queda de imunidade acarreta em muitos quadros de pneunomia. Ela é o principal problema nos confinamentos e ainda a principal causa de morte”, lamentou.

Vechiato listou os sintomas da pneunomia para que ela seja identificada – e eles são parecidos com os dos humanos. “A gente vai observar o quadro de pneunomia em que os animais têm os mesmos sintomas que a gente. Eles ficam com o nariz escorrendo, param de comer, ficam com aspecto de tristeza, eles vão ter febre, mas isso vai ser difícil mensurar no dia a dia no confinamento e então a gente começa a observar secreção, começa uma secreção cerosa no nariz, aquele líquido mais transparente, translúcido e vai engrossando esse catarro. Chega muitas vezes a até ter presença de pus. Então essa doença acomete muito os confinamentos e o pecuarista tem que ficar atento”, reforçou.

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“Esse animal pode ter dois tipos de problema, a entrada das bactérias pela questão de barreira física, então o excesso de poeira prejudica a barreira física do organismo e entram as bactérias colonizando o pulmão, ou a queda de imunidade desse animal. As bactérias estão presentes na cavidade oral e nasal dos bovinos, então elas estão esperando só uma oportunidade para se multiplicar na boca, descer, invadir e colonizar o pulmão. Em algumas situações, a gente minimiza, a gente tenta evitar vários fatores de risco, então eu posso colocar irrigação no confinamento para diminuir a causa da poeira e eu melhoro um pouco a doença respiratória. A frequência vai depender bastante da questão do tempo. Muitas vezes esses animais se movimentam no piquete e levantam poeira. Então é recomendado duas vezes por dia. Mas às vezes está muito seco ao redor, então venta bastante, tem bastante trânsito de trator, aí três a quatro vezes seria o ideal”, indicou.

Além do manejo da irrigação para molhar o chão e evitar a poeira subindo, o produtor também pode se valer de medicamentos, sejam os antibióticos, mais comuns nos Estados Unidos, ou mesmo as vacinas, mais utilizadas no Brasil. “Existe o medicamento preventivo, cujo uso é uma prática muito comum nos Estados Unidos e se chama metafilaxia, que é o uso do antibiótico na entrada do confinamento. […] Você faz aplicação no confinamento e vai prevenir a pneumonia, que ocorre até 21 dias após a entrada. Só que dentro da nossa realidade, essa é uma prática inviável e cara. […] Além de metafilaxia, o pecuarista pode optar pelo uso de vacinas respiratórias. Tudo isso minimiza os riscos do confinamento”, ponderou.

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Pelo vídeo a seguir é possível assistir na íntegra a entrevista com o médico veterinário Thales Vechiato, gerente de produto de grandes animais da Syntec: