Área total com sistemas integrados no Brasil salta para 17 milhões de hectares

Intensificação da produção viabilizada pelo sistema levou a aumento de produtividade da pecuária, preservando até 30 milhões de hectares no País; entenda

Do último levantamento, concluído em 2015, para o atual, houve um salto expressivo de cerca de 11,5 milhões de hectares para 17 milhões de hectares da área total com algum tipo de sistema integrado de produção no Brasil. O número foi revelado com exclusividade ao Giro do Boi em participação do mestre, doutor e pós-doutor em agronomia Bruno Carneiro e Pedreira, pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril, no Giro do Boi desta segunda-feira, dia 25.

O pesquisador explicou a fonte da nova estimativa para área total de integração no País. “Esses dados vêm do levantamento que a gente tinha feito em 2015. Esse número de 11,5 a 12 milhões de hectares era o número levantado pela Rede ILPF, um levantamento feito até o ano de 2015, em que a gente fez o estudo com dados de 2005 a 2015. […] Desde então, a gente vem tentando, através de modelagem matemática, estimar o que acontece até 2020 e assumindo três cenários: um cenário conservador, que era usando as taxas de crescimento de 2005 até 2010; um cenário intermediário, usando as taxas de 2005 até 2015, do período todo que tinha sido avaliado; e dentro de um cenário otimista, dos últimos 5 anos desse período avaliado, de 2010 a 2015. E usando essas taxas de crescimento, a gente começou a estimar aonde a gente estaria em 2020. Em paralelo a tudo isso, em 2017-18, houve o censo do IBGE e apontaram na categoria de sistemas agroflorestais, nos quais todos os nossos sistemas integrados estão incluídos, que a gente já teria algo em torno de 13,85 milhões de hectares, incluindo essas áreas de pastagens em sistemas integrados. Na hora em que a gente pega esses números do IBGE, ele basicamente acompanha a nossa curva otimista, usando as taxas de crescimento que a gente teve nos sistemas integrados no Brasil entre 2010 e 2015. Então dando continuidade a essa modelagem, usando esse ponto do IBGE como referência no meio do caminho, de 2017-18,[…] a gente chega a uma estimativa de mais de 17 milhões de hectares de sistemas integrados no Brasil hoje, que seria o número base para a gente em 2020”, contextualizou Pedreira.

INTEGRAÇÃO “É CASAMENTO SEM DIVÓRCIO”

O especialista opinou sobre os motivos que levaram ao salto. “A gente já entendeu que integrar é parte do processo. Eu gosto de dizer que (integração) é casamento sem divórcio. Dificilmente você vai encontrar um produtor que começou a integrar de alguma forma e parou de fazer isso. Os benefícios são muito bons e trazem sempre mais rentabilidade. E, como eu sempre gosto de dizer aqui, para quem trabalha com sistemas integrados, a sustentabilidade vem por consequência. O produtor passou a ganhar mais dinheiro, passou a melhorar a margem dentro da sua fazenda e, por conta disso, dá para fazer um negócio cada vez melhor”, apontou Bruno.

O profissional exaltou que o avanço faz o Brasil se consolidar como um dos principais players do mundo em sistemas de integração. “Sim, a gente tem uma das maiores áreas dessas no mundo, até onde eu conheço. A gente tem vizinhos que têm condições edafoclimáticas parecidas com a nossa, mas que não têm a nossa extensão de terra. Se a gente levar em conta só Mato Grosso, nós estamos falando entre 25 e 30 milhões de hectares de pasto. É uma quantidade razoavelmente grande que a gente ainda tem capacidade de explorar com sistemas integrados”, admitiu.

EFEITO POUPA TERRA

Outro dado importante que consta na estimativa é que nos 7 milhões de hectares de pecuária dentro da área total de sistemas integrados, a produtividade é de três a cinco vezes maior que a média nacional. Isso significa que o sistema preservou até 30 milhões de hectares que seriam necessários para produzir a mesma quantidade de carne caso fosse mantida a média nacional.

“Isso é o que a gente chama de ‘efeito poupa terra’. […] Se a gente assumir que dentro desses 17 milhões de hectares a gente tem 40% a 45% deles que, em algum momento, passam pela pecuária, isso significa 7 milhões de hectares de pecuária com sistemas integrados. E com base nos nossos números coletados em diversas universidades e institutos de pesquisa no Brasil, a gente sabe que essa pecuária é de três, quatro ou até cinco vezes mais (produtiva)”, sustentou o pós-doutor em agronomia.

“E a gente já disse aqui no Giro do Boi em outras oportunidades os números aqui da Embrapa. Nós chegamos a ter números da ordem de 30 a 35 arrobas sendo colhidas por hectare. Então você começa a ter um pequeno pedaço do seu sistema que está alternado com soja, com milho e que é capaz de produzir três, quatro vezes mais. Se eu tenho hoje uma produção ‘X’ de carne que é oriunda de sete milhões de hectares, se eu mantivesse aquela produtividade de quatro, cinco arrobas por hectare, que é o que a gente fala como produtividade média brasileira, a gente precisaria de 25 a até 30 milhões de hectares para gerar essa mesma quantidade de carne que foi produzida nesses 7 milhões de hectares dentro dos sistemas integrados”, explicou.

O número pode servir para valorizar a sustentabilidade do setor, conforme sugeriu o pesquisador. “A gente pode, com este argumento, mostrar para o mundo inteiro o quanto somos protetores da nossa fauna, da nossa flora, das nossas matas. O quanto somos capazes de manter a nossa Amazônia de pé, as nossas áreas de proteção no Brasil, e ainda assim sermos grandes produtores de alimento. E ainda sermos capazes de aumentar em três, quatro, cinco vezes a produtividade da nossa pecuária quando a gente lança mão de sistemas integrados”, projetou.

Além do “efeito poupa terra”, Pedreira falou sobre outras características sustentáveis dos sistemas integrados. “A gente precisa levar em conta que isso tem sido cada vez mais cobrado da gente. Especialmente o público urbano tem cobrado isso da agropecuária, de maneira geral, de um modo muito intenso. Agora dados de 2021, de um artigo recém-publicado em uma revista internacional nesse mês (janeiro), em que a gente fez avaliação em algumas propriedades do Brasil e em todas elas aumenta a quantidade de carbono no solo quando a gente trabalha com sistemas bem manejados de pastagens e quando a gente trabalha com sistemas integrados em relação à nossa pastagem tradicional, convencional, que a gente tem agora. Na fazenda que nós avaliamos aqui no Mato Grosso, uma fazenda de integração lavoura-pecuária, a gente consegue sair de 10 a 12 quilos de carbono por quilo de solo para 16 a 25 (quilos de carbono por quilo de solo). São incrementos da ordem de quatro a dez pontos a mais do que a gente teria. São números de grande magnitude, mostrando para a gente a capacidade da gente, de fato, mitigar os gases de efeito estufa, de mitigar essa emissão que é tão apontada para nós do ponto de vista de pecuária”, destacou.

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“A pastagem em si, seja ela adubada ou seja em uma área de alta fertilização, como as área de soja, são capazes de praticamente dobrar a quantidade de carbono que tem no seu solo, trazendo para a gente argumentos extraordinários para pautar a sustentabilidade da pecuária brasileira”, acrescentou.

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INVESTIMENTO E CUSTO X BENEFÍCIO

Bruno respondeu se a implantação do sistema é proporcionalmente dispendiosa para o pecuarista. “Dizer que é caro… É difícil a gente botar essa palavra para definir isso. Eu diria para você que é um sistema que requer um pouco mais de investimento, sim. É um sistema em que o custeio é um pouco maior, sim. Mas quando a gente fala em margem, a gente fala que é uma pecuária mais lucrativa. A gente fala que é uma pecuária que é capaz de produzir mais naquela mesma área de terra que você tem. Então você tem que levar em conta o quanto você vai produzir nela, quanto custaria essa terra que você teria que comprar para produzir esse mesmo tanto de carne que a gente está produzindo hoje numa área bem menor”, ilustrou.

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Entretanto, Bruno comentou uma estimativa que aponta que o retorno sobre o investimento em integração para o produtor é de até R$ 4,00 para cada R$ 1,00 aplicado no sistema (relembre no link abaixo). “A gente quer acreditar que essa é mais ou menos a base de cálculo que a gente tem. E os projetos precisam ser muito bem feitos. Esse é um ponto. Eu acho que uma das dificuldades que a gente tem é ganhar maturidade nesse processo da integração, é o produtor conhecer o potencial de produtividade da terra dele para ele ter noção do quanto ele pode investir, do quanto ele vai retornar. Mas os números são sempre positivos e sempre encorajadores”, valorizou.

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CORAÇÃO DE PECUARISTA

Carneiro ponderou que para o produtor de gado é sempre mais complicado sair de uma atividade de baixo risco para outra modalidade, mas sugeriu algo que pode tranquilizar o “coração de pecuarista”.

“O coração pecuarista é um coração de menos risco, de uma atividade de médio para longo prazo. Eu venho de casa de pecuaristas, eu sei como pecuarista pensa, como pecuarista de quarta geração que sou em casa. A gente nunca quer entrar numa atividade que traga risco rápido e quando você fala de uma safra de soja, a gente está falando de 100, 110 dias, 105 dias, dependendo do ciclo dessa cultura. No milho vai para 150 dias. Então é uma coisa que pode dar errado num prazo muito curto quando a gente compara com o prazo de engordar um boi, que seja por 18 meses nos dias de hoje. Então em relação ao boi, a lavoura, sim, traz essa atividade de risco um pouco maior. A floresta nem tanto, porque o prazo é maior, mas você não sabe por quanto vai vender, tem as dificuldades do plantio, nem sempre ele sai como você gostaria. Então eu diria que para gerenciar tudo isso o que você precisa é de uma boa assistência técnica, de um bom projeto montado”, indicou.

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Bruno salientou a importância de um bom projeto de investimento. “A gente precisa saber aonde está indo porque para quem não sabe para onde vai qualquer caminho serve. Mas desde que o projeto esteja montado, os riscos sejam entendidos, você enquanto agropecuarista vai ser capaz de minimizá-los, de usar ferramentas, de buscar atender às exigências técnicas que sejam capazes de manter essa integração lavoura-pecuária ou lavoura-pecuária-floresta dentro das margens aceitáveis. No final do dia, estamos todos numa indústria a ceu aberto. Não tem muito o que fazer. Se chove, se não chove, a gente tem o impacto direto no sistema e isso é diferente na lavoura, por exemplo, do que é na pecuária. Então a gente precisa de um bom planejamento, de uma boa assistência para fazer com que esse negócio aconteça”, frisou.

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O especialista ainda fez mais uma recomendação para encorajar os produtores a buscarem os sistemas integrados de produção. “Eu diria que a gente precisa conversar mais com os amigos, a gente precisa visitar as fazendas que têm feito isso para buscar montar sistemas de produção que se adequem ao seu sistema. […] Eu acho que o grande desafio para o futuro é cada pecuarista entender que o seu sistema é único e que ele precisa visitar outras fazendas, ele precisa ir aos dias de campo, ele precisa se informar mais para construir na sua cabeça o que é melhor para você. Nós estamos falando aqui do Oiapoque ao Chuí. Qual é o seu ambiente, oque você tem na sua região, qual é a logística, qual é o mercado? Para que você não passe para um sistema que você viu em Mato Grosso, mas talvez no Mato Grosso do Sul não sirva exatamente igual. Para que você adeque o seu sistema ao melhor integrado que você possa ter e, com isso, os frutos aconteçam, a rentabilidade chegue e a gente consiga trazer sustentabilidade para nossa agropecuária brasileira”, concluiu.

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Assista a entrevista completa com Bruno Carneiro e Pedreira:

Foto: Reprodução / Embrapa